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Trabalhar onde trabalho e com quem trabalho assenta-me os pés no chão. Todos os dias lido com gente boa e menos boa que habita as margens da sociedade: rica e pobre, brancos e ciganos, negros e mestiços. Já fiz voluntariado em Quelimane e por este país dentro, sempre junto de miúdos e menos miúdos, para quem "família", "carinho" e "futuro" são meras palavras com conteúdo pouco menos que duvidoso... e sofredor. Já fiz catequese numa Instituição em que, quando disse que "Deus é Pai" obtive como resposta "se for como o meu, dispenso bem". Sou um privilegiado, portanto, por ter a oportunidade de viver os meus dias com pessoas assim, que me trazem a realidade e ma metem pelos olhos dentro sem me dar sequer hipótese de olhar para o outro lado. Há já imenso tempo que me desenganei, há já muito tempo que percebi que as dores são partilhadas pelos miúdos e pelas pessoas que habitam ambas as margens e que se umas têm vícios caros para se esquecerem da vida e se sentirem apreciadas, outras têm vícios caros para se esquecerem da vida e se sentirem apreciadas. Separadas pela vida, unidas pelo vício, seria um bom mote publicitário. Aprendi também que a cor da pele tem o seu peso mas o meio tem um peso incomensuravelmente maior. Aprendi que os sonhos e os projetos de futuro de um negro com dinheiro são em tudo iguais aos sonhos e aos projetos de futuro de um branco com dinheiro. E que no bairro os sonhos e os projetos de futuro não têm cor da pele, mas são muito diferentes dos que têm dinheiro.
E não é de dinheiro propriamente dito, aquilo a que me refiro. É de ruas limpas, de jardins cuidados, de escolas cuidadas, com profissionais que queiram estar lá e não sejam a isso obrigados. É de casas que conciliem o tamanho das famílias que as habitam com o número de divisões. É de ensino efetivo, exigente, cuidado, real, com reais e personalizadas soluções, que se interessem mais pelas pessoas que pelas estatísticas.
Isso não tem nada a ver com a cor da pele. Tem a ver com remetermos as pessoas para um canto longe da vista, desenraizando-as, retirando-lhes dignidade, tratando-as mal. Qualquer que seja a cor da sua pele.

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