Não sei se sei viver senão sofregamente. Anseio a serenidade, no ser, no pensar, no fazer. Desejo dar tempo à sedimentação da leitura. Uma frase hoje, uma citação amanhã. Anseio repousar o olhar sobre uma imagem, sobre uma paisagem, sobre uma bela foto. Anseio escutar cada harmonia, cada nota, cada palavra que dança por entre as notas de uma canção. Anseio a demora, o permanecer, o bastar. Anseio tudo isso porque não consigo nada disso. A ânsia é uma ladra ciumenta. Leio a correr, vejo a correr, oiço sofregamente, sorvendo as palavras e as frases sem lhes chegar ao âmago, à essência, como se de uma laranja aproveitasse apenas a casca, desperdiçando o seu sumo por entre os dedos. Em mim, todo o pensamento é demorado, toda a ação é impulsiva. E nesta contradição interior estou sempre à espera que a idade acumulada me permita colher o que nunca semeei senão à superfície: a serenidade.
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