Andamos todos à procura de paz. Daquela paz que nos permite dormir à noite, andar de cabeça erguida, olharmo-nos ao espelho, falarmos com quem quer que seja sem pensarmos no que aí vem. Era eu ainda miúdo e recordo-me que essa paz não passava de uma miragem. Vivia como que temeroso, envergonhado, a sentir-me constantemente devedor dos outros e do mundo. Depois acabei por me refazer mas aprendi cedo que de uma paz assim é muito mais fácil falar que conseguir. E que, mesmo para mim, que segundo alguns dos que me rodeiam tenho uma consciência por vezes muito pouco consciente, esta é uma paz que não conheço muitas vezes. Tenho essa mania de me perscrutar quase quotidianamente, quase obsessivamente, tentando perceber quem magoei desta vez, a quem é que disse o que não devia ou deixei de o fazer a quem o devia, revendo cada gesto e cada palavra que saíram de mim. A maior parte das vezes acabo por me render à evidência do que sou, num mal conseguido exercício de baixar a fasquia, e arranjo as melhores desculpas, as mais criteriosas justificações, com o intuito de me safar de mim próprio por entre os pingos da chuva. Mas, nestas como noutras coisas, a noite não tem piedade e, por entre digladiações de eus, lá se vai o sono retemperador.
No entanto, e apesar de tudo, não acho que valha a pena a paz a todo o custo. Por vezes temos mesmo é que viver, mesmo sabendo que provavelmente nos iremos meter numa carga de trabalhos. O direito ao erro anda muitas vezes de mãos dadas com o direito à vida vivida que apenas é pacífica nos livros de contos infantis. E temos mesmo que nos incomodar, desacomodar, e avançar, por vezes mesmo contra toda a nossa racionalidade, que nos grita para que permaneçamos quietos... e em paz.
Tenho muitas vezes saudades daquela paz interior, imensa, tranquila, serena e plena. Temo muitas vezes aquela paz podre, feita de concessões e perdas de verdade.

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