Hoje estou de baixa. Pela primeira vez desde que comecei a trabalhar, já lá vão 39 anos! E foi quase uma imposição da minha médica de família, que quis assegurar a possibilidade de eu ter, efetivamente, contraído o COVD-19. Estou confinado ao quarto das minhas filhas, a comida é-me colocada à porta e isso tudo é muito esquisito. A Isabel dorme no quarto ao lado mas para todos os efeitos é quase como se estivesse do outro lado da vida. Tenho a certeza quase absoluta que isto é apenas a gripe que costumo apanhar por volta desta altura e que se os tempos fossem outros hoje eu já teria ido trabalhar, apesar da febre. Mas muita coisa mudou ao longo deste ano e o medo instalou-se e a pulsão que todos sentimos é a de que mais vale prevenir. As notícias são muito más dia após dia e o que eu não queria mesmo era engrossar o número dos hospitalizados. Nem sequer é por mim, mas por aqueles que estão há tanto tempo a lidar com tudo isto e que a última coisa que necessitam é de uma marmanjão com quase 100 kgs a dar-lhes trabalho. E também por aqueles que ficam sobrecarregados com a minha ausência, como ficamos nós na semana passada com a ausência de um dos nossos, particularmente numa altura em que apenas podemos contar connosco, sem voluntários ou monitores. Esta pandemia prova mesmo, à saciedade, que estamos todos interligados e interdependentes. As coisas fazem-se e continuam a acontecer mas falta aquilo que nos é mais importante, o que nos subtrai a sensação que somos meras peças de uma máquina: o abraço, o sorriso, o calor da nossa humanidade. Há por isso uma sensação de culpa por ter que ficar em casa, apesar de não ter sido uma escolha mas uma imposição do próprio sistema de saúde, mas confesso que tenho que apelar à minha parca racionalidade para entender e não agir por moto próprio. Afinal, nesta altura do campeonato, é isso que me é pedido: que penso nos outros antes de pensar em mim.
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