Às vezes há mesmo teocidências, como diz a Daniela. Andava já há algumas semanas com uma questão cá por dentro: que tipo apóstolo serei eu? Instintivamente, sempre fui Pedro, não porque o admire mais - admiro mais a serenidade de João e a tenacidade de Paulo - mas porque me reconheço sobretudo na localização dos eu coração, bem pertinho da boca, o que leva a dizer e a fazer disparates apenas contrabalançados pela sua extraordinária humanidade. Eu intuía isto até ontem, quando li um extraordinário artigo de opinião do Bruno Vieira Amaral que coloquei ontem no outro blogue e que pode ser lido aqui. https://paraalemdomeuhorizonte.blogspot.com/2020/10/a-paixao-de-pedro.html. À medida que o lia parecia-me que encaixava tudo o que vinha a pensar, como se o autor o tivesse perscrutado na minha cabeça e depois tivesse a arte e engenho de o colocar no papel. Claro que associado a tudo isso vem sempre aquela sensação que nem que eu escrevesse cem anos seguidos conseguiria fazê-lo daquela maneira e, agarrada a esta, a questão que eu me coloco inúmeras vezes: então para que escrevo? E recordo a mim próprio que na verdade não escrevo para ser lido mas para ser escutado por mim próprio. Escrever é, para mim, um processo muito mais de organização mental e sentimental, até de alguma catarse, que de revelação do que quer que seja. Por isso é que escrevo sempre muito mais - e melhor - em situações de conflito interior, em situações de procura, em situações de quase desespero em que o que mais quero é silenciar as vozes que se digladiam aos berros cá por dentro e às quais apenas consigo imprimir alguma serenidade depois de as arrumar devidamente nas prateleiras mentais a que pertencem. Às vezes perguntam-me porque não escrevo um livro. É fácil, não sou nem jamais serei um escritor. Quando muito, serei um vomitador de palavras porque o processo é idêntico, vem do mesmo sítio, das entranhas revoltas que precisam de uma escapatória, nem que seja um qualquer pedaço de papel onde possa rabiscar qualquer coisa. Não um escritor, que pressupõe disciplina e trabalho e vontade e arte e engenho e preocupação com quem vai ler. A minha escrita não tem nem pretende ter nada disso. Apenas proporcionar alguma paz. Interior.
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