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Recordo-me que já vi este filme. Há uns anos, numa das conversas com o meu sogro, ele punha-me perante a sua perspetiva do tempo: "já viste que se eu viver até aos 85 viverei apenas mais 15 anos?" Até porque ele veio a falecer repentinamente pouco tempo depois, nunca me esqueci dessa conversa. Desta vez foi a minha sogra: "já viste como há tanta gente que esteve no vosso casamento que já não está cá?". Começamos a contar, por alto, e 3 mãos não chegavam. Entre eles, alguns amigos, mais novos que eu ou da minha idade.

A finitude e a morte têm vindo a fazer parte da minha vida. Durante anos fugi dela mas, inevitavelmente, as chapadas na boca forçaram-me a enfrentá-la. Nalguns casos com imensa surpresa, dor e consternação, noutros mais naturalmente, assumindo e aceitando a morte como algo fundamental da vida.

Recentemente, um amigo disse-me que estava a ser tratado no IPO. Cancro. Chapada na boca, novamente. Fico sempre abananado quando isto acontece. A vida adquire um novo olhar, uma nova perspetiva, e a morte volta a entrar, de forma consciente, no horizonte da vida.

Na última vez que isto aconteceu, com um amigo, e um cunhado, ambos sensivelmente da minha idade, fui-me abaixo das canetas. Foi um tempo de reprocessamento, de reavaliação, de olhar para ontem e para os hoje da minha vida. Foi um processo longo, moroso, extremamente penoso, sobretudo para a minha mais-que-tudo e para os meus filhos que, por mais que me estendessem a mão, a viam por mim recusada. Foi também, inevitavelmente, um tempo transformador, durante o qual, finalmente, me olhei com olhos de amor e me consegui sentir digno de ser acolhido pelo meu Deus. E como isso me era importante! Naquela altura, a pergunta que me foi despoletada pelos acontecimentos era "e se fosse eu, como me apresentaria diante de Deus?". Andei meses obsessivamente à volta disso, sentindo-me profundamente indigno e envergonhado, até que me permiti amar pela Isabel e os meus filhos, e depois, durante um bendito retiro que estava marcado há muito - não há coincidências, há teocdências - me permiti ser amado pelo próprio Deus.

Não estranhei, por isso, que notícia e as minhas lágrimas trouxessem consigo o medo da Isabel. A memória tem esta coisa de tornar presente os nossos sentimentos mais entranhados, nunca definitivamente resolvidos. Sosseguei-a, claro. Desta vez, a dor era mesmo pelo nosso amigo, não minha. E a minha resposta à omnipresente questão "e se fosse eu?" seria, hoje, "vivê-lo-iamos  juntos".

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