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Se me dissessem, há trinta anos, que ao fim de trinta anos estava como estou, eu não acreditaria. Trinta anos de casado vai muito para além daquilo que eu imaginaria possível em mim. Não porque não os quisesse, não porque não os sonhasse, mas porque os temia tanto que me pareciam impossíveis! Não me recordo de muitas coisas do dia do nosso casamento - o fotógrafo foi assaltado nessa noite e nem fotos temos! - e a sensação que tenho sempre que penso nisso é a de que vivia um sonho. Recordo sim que, no final do dia anterior, ao ir daquela que seria a nossa casa para a minha casa de solteiro, ia em pânico: casar era tão para além daquilo que eu merecia na minha vida que eu tinha a certeza que iria ser atropelado porque uma coisa boa dessas não me poderia acontecer. Talvez por causa disso andei nas nuvens no dia do casamento e tudo o que recordo seja muita cantoria, muita alegria, muita dança e festança como convém à dona constança. E a verdade é que não andava muito longe do que temia. A verdade é que eu jamais conseguiria manter uma casamento de trinta anos. A questão é que o casamento não era meu, nem era eu. Era nós. É nós. E isto muda tudo. Foram inúmeras as vezes em que nos estendemos a mão, em que nos permitimos, em que esquecemos, em que remetemos para as calendas, em que calamos, em que não calamos, em que corremos atrás, em que esperamos, em que estendemos a mão, em que nos estenderam a mão, a ambos, em que não fazíamos ideia do que fazer a seguir, em que arriscamos, em que ganhamos, e perdemos, em que choramos e rimos, em que conversamos até que a noite se fizesse dia, em que discutimos até que o dia se fizesse noite, em que dançamos, em que tivemos prazer, em que nos suportamos, em que dificilmente nos suportamos, em que nos desiludimos, em que nos orgulhamos, em que nos conformamos, em que nos moldamos e deixamos moldar, em que nos apaixonamos, em que dançamos, descalços, com os seus pés em cima dos meus pés e de olhos fechados ao som de uma música por si trauteada, só nossa - ainda esta manhã o fizemos! - em que passeamos, em que descobrimos mundos para além dos mundos que habitávamos, em que nos desafiamos, em que nos tememos, em que nos confiamos, em que... em que... em que... foram inúmeras as vezes porque são inúmeros os nossos dias partilhados, são inúmeras as nossas noites partilhadas, são inúmeros os acontecimentos e as lutas e as batalhas e as pequenas e grandes vitórias que se sucederam sempre, sempre, às pequenas e grandes perdas e derrotas. Nenhum de nós é a pessoa que casou em são pedro da cova às 15 de horas daquele sábado 12 de maio de 1990. Ainda bem! Nem sequer nos amamos como naquele dia. Ainda bem! Não são já ovos de páscoa, como a minha sogra dizia que eram os primeiros tempos de casados. É uma vida. A dois, a sete, a quinze, a cinquenta, a cem, a tanta e tanta gente que nos acompanhou e ensinou e aprendeu ao longo destes anos. É uma vida. Rica, partilhada, cheia, cúmplice e, sobretudo, recheada de amor, daquele amor que emana das entranhas e nos permite desejar recomeçar sempre. Juntos. E nos permite sonhar sempre. Juntos! E como é bom amar assim hoje, quando fazemos trinta anos de casados!

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