Começamos o dia como gostamos: pequeno almoço seguido de uma boa caminhada, desta vez por terras de são pedro da cova. Enquanto caminhamos fazemos o que nos é fundamental: falamos de tudo o que nos vem à cabeça, sem filtros, sem escolha de assuntos ou de palavras. Falamos de coisas importantes e de coisas nenhumas, que é a massa de que é feita a nossa vida. Desta forma, naturalmente, sem disso estarmos plena e permanentemente conscientes, juntamos a massa, misturamos a massa até que ela seja uma só para que possa ir levedando durante o dia.
Ao longo deste confinamento estive uma semana sem caminhar. O joelho inchou e fui despachado a gelo, anti-inflamatório e repouso. Foi a única semana em que discutimos, não faço ideia a que propósito, mas sei bem porquê: estávamos ambos em casa mas, porque não caminhávamos, porque não íamos de carro para o colégio, não estávamos juntos. Ao longo dessa semana estivemos ambos com as orelhas mergulhadas nos nossos computadores, cheios de trabalho à distância, mergulhados nos nossos próprios afazeres, nos nossos próprios problemas. Acordávamos juntos, comíamos juntos, dormíamos juntos, e pouco mais. E ressentimo-nos disso. Até que discutimos, vociferando das coisas nenhumas de que não tínhamos falado ao longo da semana. E ficou tudo bem. Em nós, a acumulação das coisas nenhumas não conversadas facilmente se transvestem de coisas importantes.
Fizemos esta semana 30 anos de casamento. Aos quais se adicionam 5 de namoro. São 35 anos de vida em comum, de afinações, de descobertas, de redescobertas, de baralhar e voltar a dar. Esses 30 anos não nos diluíram numa pessoa só: ambos temos, à nossa maneira, personalidades fortes, somos pessoas pensantes e convictas, ambos gostamos de batalhar pelas nossas convicções e nenhum de nós está disposto a abdicar da sua essência em nome de coisas nenhuma. Mas estes 30 anos permitiram que nos moldássemos mutuamente, que deitássemos fora o que era para deitar fora, que conservássemos e fizéssemos nosso, comummente nosso, o que era de manter. Somos hoje, ambos, muito melhores pessoas do que éramos quando nos conhecemos. Tornamo-nos, ao longo destes anos, muito melhores pessoas, do que seríamos um sem o outro. Permitimo-nos tornar melhores, deixando que a cumplicidade do amor nos moldasse, nos esculpisse, nos complementasse.
Este confinamento permitiu-me esse vislumbre. Do que poderá ser a nossa vida nos próximos 30 anos. Venham eles. Aguardo-os de peito aberto e alegria no coração.
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