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No princípio desta semana morreu uma das pessoas que admirava. No princípio da minha descoberta da fé conversamos algumas vezes, mas a minha admiração vinha mais da sua postura sempre discreta e sempre de serviço, que daquilo que ele dizia. Há pessoas assim, que falam sem palavras, com a vida vivida, sem palcos ou luzes, naquela aparente pequenez que engrandece a vida dos outros.

Naturalmente, fui ao seu velório, que estava cheio de velhos amigos meus. Malta com quem partilho algumas das melhores memórias da minha vida, com quem cresci e descobri o que é rezar e aprendi a ir sendo mais eu. Já não nos víamos há algum tempo, a não ser nas redes sociais, mas nunca nos perdemos de vista. Levava comigo, por isso, alguma expectativa da alegria do reencontro. Que não se confirmou. O que foi profundamente estranho. E inquietante.

Na verdade não é nada incomum sentir-me um peixe fora de água, sobretudo quando está muita gente. A memória da minha infância reveste-se muitas vezes das brincadeiras a solo que, depois de descoberta a leitura - comecei a ler muito cedo - se passava nas histórias que lia com os heróis que lia. Só quando fui para a capela - junto daqueles que agora via no velório - é que soube o que é a camaradagem e o crescer verdadeiramente com outros. Mas mesmo nessa altura, porque vivia num lugar que ficava longe de tudo, tinha-me apenas a mim por companhia nas longas caminhadas de idas e vindas da escola. Ao longo do tempo fui tendo esses dois mundos muito bem delineados: um, o do estar com os outros em que sou guitarra e canto e alegria exteriorizada; e o outro, porventura aquele que me é mais natural - seguramente mais confortável - o das caminhadas reflexivas e leituras solitárias com o pensamento e a imaginação desamarrada. Dois polos opostos que, na verdade, correspondem a dois aspetos da minha personalidade. Uma das razões da minha perene falta de inteireza é que eu nunca fui apenas um. 

Quando vínhamos do velório comentei que estava algo assustado comigo. Cada vez mais o recolhimento e o silêncio me são mais naturais e confortáveis. Cada vez mais gosto de me esquecer do tempo imerso na viagem que uma boa leitura ou um bom podcast me proporcionam. Cada vez mais tenho menos paciência para conversas de circunstância, cuja importância reconheço, mas que cada vez me dizem menos e custam mais. Talvez seja o tempo a fazer das suas, talvez seja o cansaço, talvez seja o retorno que dizem que vai acontecendo a partir de uma certa idade. A verdade é que não sei ainda se gosto disso. Mas preocupa-me. Não por minha causa, que me dou muito bem sozinho, entretido nas minhas coisas. Mas por causa daqueles que me são importantes. E que estão a estranhar.

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