20221219

Ontem fomos ao circo. Um espetáculo de qualidade, mesmo para mim, que não gosto por aí além de circo. Mas respeito muito aquela gente e a maneira como escolheram viver. Como acontece quase sempre nestas alturas, sinto-me muito mais atraído para prestar atenção à sombra que à luz. Gosto de ver o que as pessoas fazem quando a luz escolhe outro foco de atenção, e aqueles que habitam a luz dão sempre boas lições quando estão na sombra. E ontem não fugiu à regra.

Mas ontem foi dia de festa. Porque não fui eu quem foi ao circo, mas os nossos miúdos do RAIZ. A excitação era tanta que a determinada altura (às vezes sou assim "tapado") lhes disse para falarem baixo, mas logo me apercebi da minha estupidez. Na verdade, todo o espetáculo está montado para que eles vibrem, aplaudam, dancem e cantem, e isso não é compatível com vozes controladas e rabiotes sossegadamente alapados nas cadeiras. E se alguém sabe vibrar até ao limite das gargantas, são eles. E como foi bom vê-los a vibrar!

É a segunda vez que vamos, juntos, ao circo. Graças à enorme generosidade de um patrono que tem proporcionado experiências aos nossos miúdos que, de outra forma, estariam fora do seu alcance. No final do circo, enquanto regressávamos a casa, falávamos justamente disso, de como há pessoas que gostam de fazer o bem, que pensam efetivamente nos outros, que se empenham, efetivamente, para que os outros possam ter uma vida um pouco menos dificultada. e "os outros" aqui repetido, são mesmo outros, são mesmo miúdos que eles não conhecem, de uma realidade com a qual não contactam diretamente, o que dá ainda mais valor ao seu olhar para quem habita margens que não são propriamente as suas.

Eu, que tenho o privilégio de trabalhar com um pé em cada margem da sociedade, testemunho todos dias essa capacidade de entrega abnegada, muitas vezes à custa do próprio bem estar, que jovens e adultos fazem questão de viver. Todos os dias recebemos jovens que habitam as classes privilegiadas e encontram aqui, no RAIZ, "o melhor da semana" (palavras suas). Miúdos (sim, também eles são ainda miúdos, ainda que um pouco mais velhos) que não precisariam disto para nada mas que encontram, nesta entrega, motivos para sorrirem e serem e fazerem, juntos, uns e outros um pouco mais felizes.

Dizem-me muitas vezes que eu sou um otimista. Como não? O que hei de eu ser quando testemunho, todos os dias, a entrega aos outros? Sou um otimista. Mas, acima de tudo, sou um privilegiado. Por estar rodeado de gente assim.

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