20220207

 

Tenho falado do Encontro de Cristo na minha vida em várias turmas. 

Mais valia ler-lhes isto que encontrei hoje:

 

Maria Madalena - Sobre o primeiro encontro com Jesus

Vi-o pela primeira vez em junho. Ele caminhava pelas plantações de trigo, quando passei por perto com minhas criadas. Ele estava só. O ritmo de seus passos não se comparava com o de outros homens, e jamais vi um corpo mover-se como o seu. Homens não pisam a terra daquela maneira. Até agora não sei se ele ia rápido ou devagar. Minhas criadas apontaram para ele, cochichando timidamente umas com as outras. Eu parei por um momento e levantei o braço para saudá-lo, mas ele não virou o rosto, nem sequer me olhou. Como o odiei nesse momento! Retraí-me, fria como se tivesse atravessado uma nevasca. Eu tremia.

Naquela noite, sonhei com ele. Contaram-me depois que cheguei a gritar enquanto dormia e que meu sono havia sido agitado.

Foi em agosto que voltei a vê-lo, pela janela. Ele estava sentado à sombra de um cipreste, do outro lado de meu jardim, imóvel, como se tivesse sido esculpido em pedra, feito as estátuas de Antioquia e outras cidades do Norte. Minha escrava egípcia veio até mim e disse:

– Aquele homem está aqui de novo. Está sentado em teu jardim.”

Olhei para ele e minha alma estremeceu, porque ele era muito bonito. Seu corpo era singular, cada parte parecia amar as outras partes. Então, vesti meu traje de Damasco, saí de casa e fui em sua direção. Era minha solidão ou sua fragrância o que me atraía nele? Eram meus olhos sedentos que ansiavam por beleza ou sua beleza que buscava a luz de meus olhos? Até agora não sei.

Aproximei-me dele com minhas roupas perfumadas e minhas sandálias douradas, as sandálias que o capitão romano tinha me dado. Essas sandálias mesmo. Já à sua frente, disse-lhe:

– Bom dia.

– Bom dia, Maria – respondeu ele. E me olhou, com aqueles olhos noturnos, de um modo que nenhum homem jamais tinha me olhado. De repente, senti-me nua e envergonhada. Mas ele só havia dito isso: “Bom dia”.

– Não queres vir à minha casa? – perguntei.

E ele respondeu:

– Não estou já em tua casa?

No momento, não entendi o que ele queria dizer com aquilo, mas agora entendo.

– Não queres partilhar o pão e o vinho comigo? – perguntei.

– Sim, Maria, mas não agora.

Não agora, não agora, disse ele. E era a voz do mar que se fazia ouvir nessas duas palavras, a voz do vento e a voz das árvores. E quando ele pronunciou essas duas palavras, a vida falou com a morte. Pois saiba, meu amigo, eu estava morta. Eu era uma mulher divorciada de sua alma. Vivia afastada desse ser que vês agora. Pertencia a todos os homens e a nenhum. Chamavam-me de prostituta, uma mulher possuída por sete demônios. Fui amaldiçoada e era invejada. Mas quando seus olhos alvorecentes olharam nos meus, todas as estrelas de minha noite se apagaram, e eu me tornei Maria, somente Maria, uma mulher perdida para o mundo que tinha conhecido, encontrando-se em novos lugares.

– Vem à minha casa partilhar o pão e o vinho comigo – repeti o convite.

– Por que me pedes que seja teu convidado? – ele quis saber.

– Imploro-te que venhas à minha casa – respondi. E tudo o que era relva em mim e tudo o que em mim era céu clamava por ele.

Então, ele me olhou, com os olhos de meio-dia, e disse:

– Tu tens muitos amantes, mas apenas eu te amo de verdade. Os outros homens amam a si mesmos quando estão perto de ti. Eu te amo por ti mesma. Os outros homens veem em ti uma beleza que desaparecerá antes deles. Mas eu vejo em ti uma beleza permanente, e, no outono de teus dias, essa beleza não precisará ter medo de se olhar no espelho, e ela não será abalada. Só eu amo o que não se pode ver em ti.

Nesse momento, ele disse, com a voz baixa:

– Vai agora. Se este cipreste é teu e não queres que me sente à sua sombra, seguirei meu caminho.

– Mestre, vem à minha casa – insisti. – Tenho incenso para queimar para ti e uma bacia de prata para lavar teus pés. És um estrangeiro, mas não um estranho. Suplico-te: vem à minha casa.

Ele se levantou, olhou para mim como as estações olham para os campos e sorriu.

– Todos os homens te amam pelo que eles são – disse mais uma vez. – Eu te amo pelo que tu és.

E foi embora.

Nenhum outro homem jamais andou como ele andava. Foi uma brisa formada ali no meu jardim que se encaminhou para o oeste? Ou terá sido um vendaval que abala todos os alicerces?

Eu não sabia, mas naquele mesmo dia o ocaso de seus olhos matou o dragão em mim e me tornei mulher, me tornei Maria: Maria Madalena.”

 

Excerto de Jesus, o filho do homem, por Gibran Khalil Gibran

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