20210319

202103191134

 

Este, que é, hoje, um dos meus dias preferidos, já foi passado com dor. Já aqui confessei por várias vezes que ser pai, e ser casado, constituía um dos meus maiores medos. Sabia que iria ser louco pelos meus filhos, sabia que não tinha propriamente um modelo do que deve ser um pai - dou-me bem com o meu pai mas há qualquer coisa (que eu nunca soube exatamente o quê) que sempre faltou e ainda falta - mas sabia que não podia confiar em mim e nas minhas capacidades, sobretudo quando prolongadas no tempo. Sabia-me de fogachos, de momentos, de períodos, e tinha perfeita consciência que ser pai - e marido - não é compatível com fogachos ou momentos. 

Recordo com um misto de enorme saudade, medo e culpa uma prenda do dia do pai em que a Isabel, numa cartolina, desenhou as mãos de cada um dos filhos, pequeninas, e escreveu "pai, estas são as mãos dos que contam com as tuas mãos". Houve várias alturas da minha vida em que essa frase, esse cartaz, essas mãos, me fizeram companhia durante a noite, por entre solidões, desesperos e ataques de pânico. Ser pai é, sempre foi, sempre há de ser, para mim, areia a mais para a minha camioneta, uma tarefa hercúlea, para a qual nunca me sinto suficientemente preparado. Mas é maravilhoso!

A avaliar pelos frutos, tivemos um sucesso estrondoso! Os nossos filhos, todos eles, são pessoas de peito cheio e cabeça erguida, que é muitíssimo mais do que eu sou, hoje mesmo, quanto mais quando tinha a idade deles. Foram educados a várias mãos, a várias cabeças, a vários corações, não sem erros, não sem acidentes, não sem imensas dúvidas e incertezas. Foram educados à base de tentativa/erro, muitas vezes às apalpadelas, e por isso houve sempre lugar a desvios de percurso, a alterações de rota, ao refazer constante, devidamente acompanhados de explicações e pedidos de desculpa sempre que entendemos que se justificavam, mas também com alguns "é assim porque eu digo que é assim" sempre que se armavam aos cucos. Quando começaram a crescer, à oração juntamos a reflexão e a discussão, sem assuntos ou posições tabus, sempre à volta da mesa, durante a refeição, que era - é - o nosso principal ponto de encontro. Autonomia, liberdade, verdade, responsabilidade e compromisso tiveram sempre um peso enorme na sua educação, e isso refletiu-se enormemente nos seus posicionamentos perante a vida. Hoje são pessoas do mundo, de espírito aberto, com uma enorme pluralidade de assumidas escolhas no que diz respeito à política, à sociedade, à fé e, naturalmente, à sua vida pessoal. E sempre com a certeza e a segurança que são nossos filhos e que, por muitas e maiores asneiras que cometam, têm sempre um lugar onde são recebidos com alegria e de braços abertos (às vezes devidamente acompanhados de ralhetes, mas eles são filhos e nós pais, sem confusão de papéis).

Olho para trás e confirmo que tinha razão em ter medo. Até porque estava a ver mal a coisa (o que é muito comum em mim). Eu jamais seria um bom pai. A questão é que eu não sou pai, somos pai e mãe, porque nunca educamos a um mas sempre a, pelo menos, dois. E essa é a maior vantagem dos nossos filhos: como eu e a Isabel somos muito complementares, eles acabaram por herdar o melhor de ambos, por serem construídos a partir do melhor de cada um de nós, o que, Graças a Deus, os torna pessoas muito melhores que nós. E essa, valha a verdade, é a grande vitória de qualquer pai e mãe: que os nossos filhos sejam melhores que nós próprios.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Chegou aqui a pedido institucional. Dez anos, e a vida já num emaranhado de complicações: maus tratos, impedimento judicial de aproximação d...