Não tenho por hábito reler o que escrevo. Nem sequer para corrigir. Já na faculdade utilizava um método que sempre me deu bons resultados: gastava tempo a hierarquizar a resposta por tópicos que ia riscando à medida que os colocava na folha de exame. Colocado o ponto final, fechava o exame, exausto, e entregava-o assim, sem o reler.
Na verdade, tendo a escrever como vivo: de supetão, sem pensar demasiado, atirando-me de cabeça, e espantando-me, mais tarde, com as enormidades que disse ou cometi. Durante imenso tempo, como não aprecio por aí além esta forma de ser, batalhei contra ela, forçando-me a ser outro, porventura de quem gostasse mais. Está bom de ver que esta sempre foi uma batalha perdida. E fui aprendendo a apreciar mais a autenticidade, ainda que esta acarrete maior confusão.
Não relendo o que escrevo, sou, no entanto, curioso à frequência com que o faço. Há alturas em que escrevo dias seguidos, em que transbordo (para mim a escrita é sempre um vomitar) dias seguidos como se não houvesse amanhã, em que todos os dias sinto, vejo, respiro algo que me faz sentir vivo e sinto necessidade de espelhar em palavras. E depois há... nada. Absolutamente nada. Ou melhor, há agendas e reuniões e trabalhos e orações e cânticos e tudo isso e muito mais tem que ser pensado e preparado e ensaiado e executado, ocupando todo o espaço em mim que deveria ser ocupado pelo lado B (de Belo) da vida. São as alturas em que me sinto pouco mais que um parafuso numa qualquer engrenagem que me despersonaliza e sei bem que uma pessoa despersonalizada nada tem a dizer, apenas tem a executar. Ou então são momentos (normalmente coincidentes com estes que acabei de descrever) em que a energia se vai, a vontade se vai, o olhar se vai, e tudo o que se deseja é, com o final do dia e da semana, chegar a casa e calçar as pantufas. E espanta-me sempre a facilidade com que fazemos do nosso e dos nossos o intervalo, e não o filme da nossa vida, como se a razão da nossa existência fosse fazer, e não ser!
Mas ando nesta vida há tempo suficiente para saber como tudo isto é cíclico. E necessário. Que vivemos (eu e os que me rodeiam todos os dias) num tipo de missão que exige nada menos que tudo o que temos para entregar, por amor - ainda que por vezes tenhamos necessidade que nos recordem que é por amor que o fazemos. Que, bem vistas as coisas, seria de difícil compreensão que chegássemos à fase final de cada ano letivo como se o estivéssemos a iniciar. Que, quando olhamos para trás, ou encontramos um rasto de pegadas profundas, ou percebemos que nem sequer caminhamos e apenas o tempo passou. Na verdade, quem caminha sabe que não há marcas quando se levita inocuamente sobre a vida, mas prefere a dor nos músculos das pernas cansadas da caminhada. É, ando nesta vida há tempo suficiente para perceber que, se nesta altura do campeonato estivesse fresco como uma alface, radiante e sem queixume, seria um péssimo sinal.
Abraço, por isso, estes momentos como tento abraçar a vida: por inteiro, fazendo-os meus, antecipando o sorriso do futuro. Afinal, como sabiamente diz o Padre Almiro, mais vale uma vida gasta que uma vida enferrujada.
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