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Eu sei o que é viver imerso no medo. Eu sei o que é acordar com ataques de pânico. Eu sei o que é ter pesadelos e acordar e desejar com todas as forças regressar ao pesadelo. Eu sei o que é viver de cabeça baixa, com vergonha de olhar ao espelho, com medo que descubram quem sou (era). Eu sei o que é o medo, como nos tolhe, como nos limita, como toma conta de tudo em nós, dos nossos pensamentos, gestos atitudes, olhares, fantasias. Eu sei como se insidia, como se instala, como nos trabalha por dentro, como nos leva a ver o que não existe alterando completamente a perceção da realidade, escurecendo-a, enegrumando-a. Eu detesto o medo. Visceralmente.

Esta semana disseram-me que o confinamento me tinha feito bem. Que estou mais calmo, mais ponderado, atribuindo a cada coisa o seu devido peso, sem dramatismos bacocos que não ajudam ninguém a crescer. "Estás mais sábio". Sorri, querendo muito acreditar que sim, sabendo certamente que não. Ainda não, pelo menos. Porventura, poderei ter mais momentos de serenidade que de sobressalto, mais sobriedade e menos perturbação. Provavelmente seleciono melhor, e também oculto melhor, não procurando fora o que já vou encontrando dentro de mim. E sobretudo vou tendo menos medo, mais confiança, naquilo que a confiança tem de fundamento, de ponto de partida, de olhar em diante. Terei, com sorte, as costas mais direitas, já não me vergo tanto ao sabor do vento das palavras abonatórias que me são dirigidas, já não as procuro tanto, pelo menos não em tantas pessoas, não em todos, apenas em alguns, em quem reconheço sabedoria, em quem busco norte, em quem encontro rumo. Uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa. Não é tudo a mesma coisa. Nesta lapaliçada encontro por vezes essa distância que me permite observar e extrair o que de mais importa. A serenidade, o encontro, o Pai, eu.

Hoje acordei com a sensação que 2021 vai ser um ano bom. Todos aqueles a quem disse isto olharam-me com menos estranheza que se estivesse vestido de Pai Natal. Uns encolheram ombros, outros riram, outros juntaram esta àquelas declarações completamente desligadas da realidade que volta e meia me saem prodigamente da boca para fora. Talvez seja vontade que este clima de medo acabe, talvez seja a irresistível vontade de voltar a sentir o calor do abraço, a força do aperto de mão, o leve toque que é simultâneamente elo de ligação, transmissor de quentura, energia, carinho... talvez seja isso tudo e mais alguma coisa. Não é importante. Importante mesmo é que é que o que sinto. E isso rouba o medo de mim e coloca no seu lugar a esperança. E a vida, assim, é bem melhor.
 

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