20200218

Sancho


Uma das minhas frases mais vezes ditas é "a vida é feita de escolhas." Uma das frases que mais preciso de ouvir é "a vida é feita de escolhas." Para quem me conhece bem, para quem me acompanha na vida mais que alguns momentos, para quem me lê a vida, sabe que isto é assim e melhor ainda, não fica espantado por ser assim. Na verdade, tirando numa ou duas coisas absolutamente essenciais na minha vida - a minha família, a minha fé e o meu trabalho - eu tendo a desvalorizar o valor da congruência. Por isso é frequente eu dizer aos outros justamente aquilo que preciso mais de ouvir.

Ontem, como resultado do confronto de ideias da catequese - miúdos do 9º ano têm este poder de nos confrontarem - dei comigo a pensar porque escolho amar quem amo. Sim, porque mesmo para que o amor aconteça na nossa vida temos que conceder a nossa permissão, temos que estar abertos à sua chegada, temos que, consciente ou inconscientemente, escolher sermos amados. Então, porquê esta pessoa e não aquela? Como o confronto vinha no seguimento do impacto do amor no cérebro, porque escolho amar apenas aquela pessoa e não todas as que provocam o acendimento das luzinhas no meu cérebro?

Porque a verdade é que o acender das luzinhas, por si só, não basta. É excelente quando acontece, é maravilhoso quando nos dá a volta à cabeça e à vida, mas é insuficiente. Porque essas luzinhas são apenas uma pequenina parte de toda a iluminação de amar, Sobretudo de amar alguém, que é o fenómeno que nos torna mais parecidos com uma árvore de Natal. Na realidade, àquelas luzinhas juntam-se outras, que se acendem quando fazemos alguém feliz, quando partilhamos os mais ínfimos pormaiores dos nossos dias, quando nos aconchegamos, no final de cada dia, no conforto do corpo e da alma que nos acolhem como seu. As luzinhas acendem, todas, quando testeminham esse eco nas luzinhas, todas, de quem se ama. 

Sem isso, seremos sempre D. Quixotes, muito engraçados, muito românticos, mas de triste figura porque amaremos apenas uma ideia, uma possibilidade de futuro, desfasada da realidade porque não nos implica nem às nossas escolhas. E eu, que adoro D. Quixote, sou bem mais parecido com o Sancho. 
Principalmente na pança.

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