Também somos feitos de outros. E por vezes, outros que apenas lemos, vemos ou ouvimos intermediados pelas tecnologias - sim, um livro é uma tecnologia, e poderosa!. E, quando temos sorte, por pessoas que à partida nada têm a ver com as nossas escolhas mas nos surpreendem com uma forma de estar sábia.
Há uns (bastantes) anos, tive uma muito interessante discussão num qualquer fórum cibernético com o Miguel Relvas, a propósito não sei bem de quê. A determinada altura disse-lhe que não concordava com o que ele defendia mas que admirava a sua coerência. E ele disse-me para ter cuidado com a coerência que, quando excessiva, permitiu as maiores barbaridades da história. Coerência é importante, mas não devemos tirar os olhos do que é melhor, e mudar, se necessário. Nunca mais o esqueci, ao ponto de o transportar para a minha vida, e de o aconselhar a quem me quer ouvir.
Pensei hoje nisto enquanto ensaiava uns miúdos do 12º ano. Como os conheço particularmente bem, via em alguns deles a vontade de cantar, e de se divertirem juntos partilhando aquele momento, mas que não o fizeram por uma questão de coerência. Sei que, no seu processo de procura e de afirmação, acham que já deitaram Deus fora não percebendo que a sua questão é com a religião e não com Deus, que isto de definir o Seu posicionamento na própria vida dá muito trabalho. No final não me contive e disse-lhes que os tinha visto e que deitar fora oportunidades, ainda que simples e pequenas - particularmente simples e pequenas - de serem felizes é burrice, não é personalidade.
Às vezes somos estúpidos ao ponto de deitarmos fora oportunidades de sermos felizes. A coerência - que é importante, mas é sobretudo para os outros saberem com o que podem contar - é um meio, não é um fim em si. Claro que não vivemos sozinhos e as expectativas que geramos são legítimas e temos que as levar em conta. Mas quando passamos a viver em função delas e não as enquadramos no todo que é a nossa vida, estamos mais longe da verdadeira felicidade.
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