Chegou aqui a pedido institucional. Dez anos, e a vida já num emaranhado de complicações: maus tratos, impedimento judicial de aproximação dos pais, mudança de lugar, de casa, de escola... Como é possível! O nosso primeiro embate não foi famoso. Não reagiu bem a mim. Não reagi bem a ele. É normal. em casos destes o equilíbrio é tudo menos fácil: fica algures entre o mimo, o cuidado e a exigência. É um triunviriato precioso que precisa ser administrado com parcimónia para que nenhum nem ninguém se perca algures no caminho. Passado o primeiro embate, com muitos mais gestos que palavras, lá nos fomos entendendo. A custo, muito devagar, mútua cedência aqui e acolá, e vamos fazendo caminho. Hoje, pela primeira vez, falávamos um pouco mais e ele olhava para mim com aquele ar que conheço bem. Sorri e disse-lhe: sabes que gaguejo, certo? Ele nem pestanejou: não tem problema,stor. Eu percebo bem o que diz.
Acredito que todos somos habitados por uma humanidade que o tempo e a vida muitas vezes se encarrega de distorcer. Infelizmente, conheço os suficientes para saber que aos dez anos essa humanidade se vai esboroando à força de pancada, de maus tratos, de abandonos. Mas por vezes percebo que em alguns casos - alguns deles bem improváveis - vai permanecendo, contra todas as evidências, contra todas as expectativas, contra todas as pancadas. E essas vezes são sempre motivos para sorrir. E dar Graças pelos milagres que todos os dias acontecem. Mesmo aqui. Ou sobretudo aqui.